quarta-feira, 1 de abril de 2009

"Se"


Se, ao final desta existência,
Alguma ansiedade me restar
E conseguir me perturbar;
Se eu me debater aflito
No conflito, na discórdia...

Se ainda ocultar verdades
Para ocultar-me,
Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas...

Se restar abatimento e revolta
Pelo que não consegui
Possuir, fazer, dizer e mesmo ser...

Se eu retiver um pouco mais
Do pouco que é necessário
E persistir indiferente ao grande pranto do mundo...

Se algum ressentimento,
Algum ferimento
Impedir-me do imenso alívio
Que é o irrestritamente perdoar,

E, mais ainda,
Se ainda não souber sinceramente orar
Por quem me agrediu e injustiçou...

Se continuar a mediocremente
Denunciar o cisco no olho do outro
Sem conseguir vencer a treva e a trave
Em meu próprio...

Se seguir protestando
Reclamando, contestando,
Exigindo que o mundo mude
Sem qualquer esforço para mudar eu...

Se, indigente da incondicional alegria interior,
Em queixas, ais e lamúrias,
Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia
Para a minha ainda imperiosa angústia...

Se, ainda incapaz
para a beatitude das almas santas,
precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende...

Se insistir ainda que o mundo silencie
Para que possa embeber-me de silêncio,
Sem saber realizá-lo em mim...

Se minha fortaleza e segurança
São ainda construídas com os materiais
Grosseiros e frágeis
Que o mundo empresta,
E eu neles ainda acredito...

Se, imprudente e cegamente,
Continuar desejando
Adquirir,
Multiplicar,
E reter
Valores, coisas, pessoas, posições, ideologias,
Na ânsia de ser feliz...

Se, ainda presa do grande embuste,
Insistir e persistir iludido
Com a importância que me dou...

Se, ao fim de meus dias,
Continuar
Sem escutar, sem entender, sem atender,
Sem realizar o Cristo, que,
Dentro de mim,
Eu Sou,
Terei me perdido na multidão abortada
Dos perdulários dos divinos talentos,
Os talentos que a Vida
A todos confia,
E serei um fraco a mais,
Um traidor da própria vida,
Da Vida que investe em mim,
Que de mim espera
E que se vê frustrada
Diante de meu fim.

Se tudo isto acontecer
Terei parasitado a Vida
E inutilmente ocupado
O tempo
E o espaço
De Deus.
Terei meramente sido vencido
Pelo fim,
Sem ter atingido a Meta.
[Hermógenes]

6 comentários:

  1. Tenho olhado para o horizonte-caminho, ou nem tanto; tenho olhado para, apenas, o outro lado da rua; notado o que está... do outro lado da rua.
    Visão: Não é uma dúvida. Não é uma pergunta. Não é um pedido de ajuda, nem uma oferta à conquista... Ninguém mais tem dúvidas. Ninguém mais tem perguntas. Ninguém mais pede, nem recebe...
    O que vejo... do outro lado da rua, é uma imagem refletida num vidro opaco olhando para outras imagens refletidas... noutros vidros... opacos...
    Passa o tempo e as imagens continuam enamoradas, vítreas... opacas...

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  2. Oi Raquel, estou passando por aqui... Admiro seus poemas e outra vez postei no blog do Anderson que tenho as mãos brutas demais para escrever poemas, mas levo jeito e vc nem se fala...

    Lembrei que vc é inclinada à filosofia kantiana e gostaria de lhe convidar para dar uma olhadinha no novo post (o primeiro de trê sobre Kant): http://tempo-horario.blogspot.com/

    Beijos e bom feriado!

    BRUNO

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  3. Seja como for o sofrimento e as lutas dão a medida exata da nossa permanência na confusa e difusa tentativa de ser feliz.

    Bjs moça,




    Novo dogMa:
    doreS...


    dogMas...
    dos atos, fatos e mitos...

    http://do-gmas.blogspot.com/

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  4. "indigente da incondicional alegria interior" indigencia boa...

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  5. Oi Raquel, passei aqui para convidá-la a ir ao meu blog.
    Deixei lá um certificado pra você.
    Espero que goste.
    Obrigada pela companhia.
    bjs

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  6. Texto repleto de boas reflexões.

    Abraços,
    Jac C.
    http://abcdejac.blogspot.com

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